Daniel Alves comeu a banana que uma pessoa jogou no campo. A reação ao ato racista foi espontânea e genial. Ao ver o vídeo, eu sorri com um pouco de orgulho.
Mas a campanha #somostodosmacacos que veio depois me irritou muito.
Quem compartilha essa frase provavelmente nunca sofreu com o preconceito que o termo “macaco” carrega.
Quando vi o vídeo do Daniel Alves comendo a banana eu sorri.
Lembrei das vezes que ouvi “seu macaco!” por errar no futebol, por sorrir pra uma menina ou por simplesmente estar ali numa escola particular ou cursos de inglês mais brancos que negros.
Dava uma raiva do cacete. Daí eu xingava de volta. As vezes entrava em briga. Ouvir “seu macaco!” era pior do que ouvir “seu chorão!” e “seu babaca!” por exemplo.
Na infância e adolescência não era questão de racismo: eu vivia o drama sem saber do conceito.
Pra deixar de ser chorão era só parar de chorar. Pra deixar de ser babaca era só agir mais firme. Mas e deixar de ser preto? Como fazia?
Aí tu cresce negando sua cor, alisando o cabelo, achando que a nega do cabelo duro é feia e que a loirinha de olhos azuis é bonita… a gente vai incorporando o racismo na gente mesmo sem sentir.
Nesse processo, o “macaco” não era só uma ofensa. Era um lembrete constante de que apesar de todos os esforcos, eu continuaria sendo inferior.
Não nas notas de prova, mas no cotidiano. Qualquer errinho ou vacilo e logo o “seu macaco!” ou “tinha que ser preto!” vinham me lembrar do que os mais clarinhos consideravam meu lugar.
Hoje em dia, a percepcão dos negros sobre a negritude é muito mais auto-estimada do que nos meus tempos de escola. Mas apesar disso o preconceito ainda é forte principalmente nas periferias.
Ainda hoje ouvir e sentir racismo diariamente pode fazer com que a gente trate preconceito como normal. Aí a gente abaixa a cabeca e ignora. Passa. Comeca de novo. Ignora. E assim vai.
Por isso sorri ao ver o Daniel Alves.
Ele não abaixou a cabeca nem fingiu que não viu. Ele também não se rebaixou xingando ou arrumando briga. Ao comer a banana, ele mostrou um deboche cheio de raiva de uma situação que enche o saco dele o tempo todo.
Por isso eu fiquei puto ao ver a campanha #somostodosmacacos supostamente em apoio ao jogador.
Comer a banana não quer dizer que ele aceite ser chamado de “macaco”. Exatamente o contrário. Por isso achei a hashtag uma coisa ignorante, insensível e idiota.
Quem sofreu e sofre todo dia com racismo não sai por aí se chamando de “macaco”. E quem agora se diz “macaco” provavelmente nunca sentiu na pele o que ser chamado de “macaco” representa.
Uma das explicacões dos que aderiaram à campanha é a teoria da evolucão: todos – brancos ou negros – viemos dos macacos.
Por isso a campanha é ignorante.
Ela ignora e desdenha da história de preconceito racial no Brasil. Nessa história e no cotidiano, “seu macaco!” é um dos símbolos do racismo que acompanha negros a vida toda.
Nesse sentido a campanha também é muito insensível.
Quando eu cliquei na hashtag, eu vi celebridades, políticos e outras pessoas em sua maioria clarinhas super-animadas reclamando do racismo nas redes sociais.
Mas para essas pessoas, “macaco” é só uma ofensa. Se não ouvir, ou se der “beijinho no ombro”, ou se “sambar na cara do racismo” a ofensa perde seu valor.
Só que os que agora se dizem macacos parecem ignorar que negros ainda são as maiores vítimas da violência no Brasil; que são retratados através de estereótipos discriminatórios todos os dias na mídia; que são a maioria nos sub-empregos e que são minoria nas universidades.
Esses e outros exemplos mostram que “macaco” não é só uma ofensa. Que racismo não existe só da boca pra fora. A estrutura social do Brasil é racista. Crescemos normalizando o racismo.
Por exemplo, pensa em alguém com cara de bandido. Pensou? Era ou não era um negro? Pensa numa viciada em crack. Agora pensa numa médica bem-sucedida. Qual era branca e qual era negra?
Pois é.
Por isso o branquinho Luciano Huck não é macaco. A loirinha Angélica não é macaca. O moreninho claro Neymar não é macaco. Eles e tantos outros não sabem a dor, a revolta e o desânimo que só quem é chamado ou tratado como “macaco” sente.
É por essas e outras que a campanha #somostodosmacacos é idiota.
É idiota porque não representa tantos negros que sofrem com racismo. Ela ofende. Ofende a quem sofre tendo que lidar com o peso que o “seu macaco!” representa no seu dia-a-dia.
A campanha dá a entender que somos todos iguais. Não somos. Por isso, as bananas nas fotos das celebridades devem ser tão destroçadas quanto aquela jogada no Daniel Alves.
Foto de Louis Hansel @shotsoflouis/Unsplash.
Assino embaixo do seu post Léo. 1) Daniel Alves, enquanto esportâneo, fez algo muito forte, justamente pela espontaneidade; 2) Neymar já ter a hashtag pronta e criada por uma agência de publicidade é tosco e insensível, entretanto vem de um garoto sem preparo mental/educacão, que é mais fantoche de quem vê a oportunidade de negócios (e.g., agentes, staff e seu time de publicitários); 3) O pior de todos para mim foi o Luciano Huck fazer camiseta pra lucrar em cima do acontecido. Banalizou de vez a coisa enquanto, teoricamente, tem a bagagem mental/educacão para ser crítico e discernir o peso da expressão. No entanto, não foi a primeira vez que se aproveitou do momento para lucrar com desgraca alheia; 4) Os políticos urubus pegando carona no momento não me surpreendeu nem um pouco, são urubus na carnica apenas. 4) Por fim, sobre as pessoas “comuns” bem intencionadas pegando carona na campanha, sem saber do peso das palavras: Tenho visto um certo movimento de textos pela internet bombardeando Neymar/Huck. Achei isso bom, e espero que as pessoas bem intencionadas repensem (ou pensem pela primeira vez) o que quer dizer a expressão da hashtag, etc. Como disse, tenho esperanca de que o barulho que isso gerou, tenha seus lados positivos.
ps: “somostodosmacacos” está biologicamente errado tb, na verdade somos todos primatas.