Parte do que causa a tensão polarizada nas redes sociais é o deboche.
Sabe como?
Por exemplo.
Você dá uma opinião sobre algo. Tipo,
– Eu não acho que roupa branca seja adequada para uma festa ao ar livre na chuva.
Aí uma pessoa responde:
– Tá de sacanagem! Não sei porquê ter medo de pagar peitinho! Kkkkk Eu visto o que eu quero! Kkkkk
Ela poderia ter respondido:
– Não concordo.
Ou poderia ter perguntado:
– Não é adequado? Por que tu acha isso?
Mas não.
Ela ridicularizou (“tá de sacanagem”), inventou um motivo sem saber (“medo de pagar peitinho”) e ainda se apropriou da opinião alheia pra tirar onda com sua atitude (“eu visto o que quero”).
Isso é deboche.
Pelo dicionário, sinônimos pra “debochar” incluem “zombar”, “desconsiderar” e “desprezar”.
Em outras palavras, debochar é zoar e desmerecer a outra pessoa pelo que ela disse.
Quer dizer,
debochar não é dar opinião ou responder à algo dito. É usar a palavra para diminuir ou humilhar a outra pessoa.
Como se responde à gente debochada?
Depende.
No caso da roupa, você e a pessoa podem ter uma relação saudável de zoeira mútua.
Daí você debocha de volta, manda se f****, kkkkkkk juntas, fazem selfie e acabou.
Mas e se vocês não tiverem lá essas intimidades? E se nem se conhecerem?
Tipo, imagina tu num banheiro de um bar e uma pessoa que tu nunca viu falasse assim contigo?
Pensou na merda que pode dar? Então.
Agora imagina o deboche no nosso momento político.
A polarização política é também um processo de identificação, mobilização e auto-conhecimento.
Seja lá qual for tua causa ou bandeira, você está emocionalmente muito envolvido no processo.
Euforia. Raiva. Decepção. Medo. Esperança. Frustração. Alegria. Ódio. Tudo ao mesmo tempo.
Pra lidar com isso o que fazemos?
Estravazamos no Facebook e torcemos por curtidas e/ou palavras de apoio.
Cada curtida e apoio significam que outros concordam. Talvez se sintam igual.
Ieeeeeeei! Alívio.
… até que o carrossel de emoções comece a rodar de novo.
Tem quem reclame da formação de bolhas de gente que pensa igual.
Concordo. Bolhas que perpetuam ignorância e discurso de ódio são um problema, por exemplo.
Mas também acho que até certo ponto bolhas são válidas.
Precisamos de outras pessoas que nos ajudem a confirmar a relevância social do que pensamos.
Só que também precisamos do contraponto.
Por isso é bom ouvir ou ler pessoas que pensem diferente de nós.
Outras opiniões servem para ampliar nosso conhecimento. Para questionar nossas abitolices.
Mas sabe qual é o mal das redes sociais?
O deboche parece ser a forma mais popular de resposta à opiniões diferentes ou contrárias nas redes online de socialização.
Sabe como?
Digamos que tu dê uma opinião no seu Face. Tipo,
– Este governo precisa cair senão teremos uma ditadura corrupta e comunista no Brasil.
Daí uma pessoa vê e responde.
– Nossa! Tu é ignorante, hein! O governo foi o melhor da história, seu coxinha!
A pessoa poderia dito,
– Desculpe, mas não concordo. O governo nunca foi comunista e todos são corruptos.
A pessoa poderia ter perguntado,
– Por que você acha isso?
Mas não. Escolheu debochar.
Ela ridicularizou (“Nossa!”), julgou a pessoa a partir de uma opinião (“Tu é ignorante, hein”), se apropriou da opinião alheia pra fazer o comercial da sua crença (“foi o melhor governo da história”) e arrematou com apelido generalizante-humilhante (“seu coxinha!”).
Como responder à deboche em discussão política à flor da pele?
Seria tranquilo se a pessoa fosse amiga bem próxima e vocês têm essa relação mútua de zoeira.
Mas não é porque estamos amigados no Facebook que somos necessariamente tão amigos assim.
Daí vem alguém na tua página. Vê tua postagem. Liga o modo espírito de porco e larga a chacota.
O que vai dar? Merda.
O deboche (junto com o fundamentalismo e a ignorância histórico-política) parece uma das maiores razões de conflitos cada vez mais agressivos e verbal- ou fisicamente violentos entre pessoas de ideologias diferentes.
Eu dei um exemplo de um lado da polarização, mas acontece do outro lado também.
Tipo,
– Chega de violação dos direitos humanos nas favelas! Chega desse estado que mata!
Pode discordar assim,
– Na minha opinião, a força do estado se faz necessária pelos altos índices de criminalidade.
Ou questionar assim,
– O que você quer dizer por “violação dos direitos humanos”? Como assim “o estado mata”?
Ou simplesmente debochar,
– Ah! Lá vem o mimimi dos direitos dos manos de novo. Escracha mermo, puliçada!
Qual das três respostas gera diálogo? Qual impede o diálogo e ainda gera discórdia?
Deboche não é opinião. Quem debocha não quer conversa, quer briga. Confusão.
A política está polarizada? Sim.
Mas não precisamos nos matar por causa das nossas posições políticas.
Nesse sentido, evitar debochar dos outros é uma boa forma de diminuir esse clima de tensão.
Se a pessoa opinou algo e tu discorde, tenha identificado um erro ou considere problemático, crie o contraponto com respeito.
Precisamos de redes sociais e relacionamentos com mais diálogos e curiosidades respeitosas e menos, muito menos, deboche.