Por que muitas(os) brasileiras(os) se incomodam tanto quando outra(o) brasileira(o) emite uma opinião sobre alguma coisa política (não só partidária, mas também do cotidiano) do Brasil?
Sabe como? Deixa eu dar um exemplo.
Ontem, uma amiga minha que mora na Suécia ouviu que por estar muito tempo fora do Brasil ela está “desatualizada dos acontecimentos”. A pessoa quis dizer que ela era contra o afastamento da presidente por não saber a verdade dos fatos.
No meio de seu textão (-ão tanto pelo tamanho quanto pela qualidade), ela disse:
“O fato de eu estar muito tempo fora do Brasil […] não tira minha legitimidade nem propriedade enquanto cidadã de discordar e não compactuar com posições e atitudes políticas no Brasil.”
Outros brasileiros no exterior que conheço também relatam sofrer com o mesmo tipo de comentário principalmente agora em tempos de polarização política.
Eu também já ouvi coisas parecidas. Tipo, já ouvi “falar da Finlândia é mole…” quando questionei amigos policiais sobre as políticas de segurança pública no Rio.
Em outro caso, ouvi “você não mora aqui e não sabe como é” quando disse que as pessoas não são automaticamente preguiçosas, vagabundas e maniqueístas por serem beneficiárias de programas sociais do governo.
Sabe o que me deixa puto nesses casos? Que essas reações – geralmente vindas de pessoas razoavelmente próximas – são como se dissessem “Você não tem o direito de dar opinião porque mora no exterior.”
Como minha amiga da Suécia sugeriu, essa galerinha reage como se nos alienássemos ao nos mudar pra fora do Brasil. E isso é irônico porque “mudar pro exterior” sempre foi visto como uma oportunidade de ampliar conhecimentos e crescer como indivíduo.
Eu acho que cresci bastante e aprendi muito sobre o Brasil aqui da Finlândia (ao viver num país caro, mas igualitário e também ao buscar explicações pras minhas raízes, por exemplo). Ao meu ver, os novos conhecimentos se juntaram aos que eu trouxe na bagagem e hoje são a base do meu pensamento.
Só que pra algumas pessoas aconteceu o contrário: eu passei a desconhecer a realidade brasileira. Ao ouvir as reações que parecem me mandar calar a boca, sinto as vezes como se tivesse aprendido o conhecimento errado. Daí fico pensando: o que esse pessoal gostaria de ouvir pra que respeitassem minha opinião?
De repente minha opinião seria legítima se eu falasse coisas como “o Brasil seria muito melhor se tivesse um mercado livre e um estado pequeno como nos países desenvolvidos” ou “bom mesmo são os países que colocam vagabundo e corruptos na cadeira elétrica” ou “o Brasil deveria seguir esses países europeus que proibem muçulmanos de atravessar as fronteiras.“
Essas frases são problemáticas, mas talvez dizendo essas paradas minha opinião de brasileiro no exterior tivesse mais legitimidade entre estas pessoas que demonstram discordar ao menosprezar o que eu de fato falo.
Nesse processo de reflexão, pensar sobre como lido com as reações que deslegitimam minha opinião me fez perceber uma coisa:
O problema não é morar no exterior. O problema é quando a opinião nos coloca numa posição política contrária àquela que a pessoa que critica ocupa.
Na minha experiência, as críticas geralmente vêm de pessoas que são anti-petistas, pró-mercado e/ou até mesmo fundamentalistas em termos de religião.
Se eu falasse o quanto a Dilma é ruim e o Trump é bom, por exemplo, talvez essas pessoas me vissem como brasileiro no exerior iluminado e não alienado. Talvez eu saberia “a” verdade do mundo ao invés de viver numa utopia inocente bem diferente da realidade brasileira.
Felizmente, nem todas as reações representam estes tipos de censuras abitoladas. Ufa! No meu convívio, existem muitas pessoas, conhecidas ou não, que se sentem felizes por conversar e trocar ideias com uma pessoa que mora no exterior (pra muitas delas, eu sou a única pessoa nessa situação).
Hoje em dia, por exemplo, converso com muitas conhecidas de infância que são professoras(es) e nunca saíram do Brasil. Estas pessoas parecem demonstrar um misto de curiosidade interessada, alívio e esperança ao ouvir sobre experiências pedagógicas e de vida aqui na Finlândia. Também se sentem felizes quando digo que várias coisas que elas fazem no Brasil seriam muito valorizadas por aqui.
Quer dizer: existe muita troca boa de experiências entre nós que moramos no exterior e brasileiras(os) que moram na terrinha. Pessoas de pensamento aberto, sem verdades pré-estabelecidas, interessadas em trocar conhecimentos sobre a sociedade, política, cultura e futuro. Pessoas que sabem que conversas não são disputas de quem sabe mais ou de quem saber o certo, mas oportunidades de troca pra crescimento mútuo.
Ver as coisas por esse ângulo dá um alento gostoso. Ajuda a lembrar que talvez seja melhor deixar de colocar tanta atenção e raiva em quem diz “você não pode falar do Brasil por morar no exterior” e dedicar mais tempo com quem diz que “é bom trocar ideia contigo e aprendermos mutuamente a partir de perspectivas diferentes do mundo.”