Semana passada, eu escrevi uma carta para Lázaro Ramos. Na carta, eu descrevi o que seu livro, Na Minha Pele, tinha significado para mim.
Horas depois, Lázaro leu e, emocionado, compartilhou a carta com seus milhares de seguidores no Facebook e Twitter. Daquele dia pra cá, esse papo com o Lazinho rendeu conversas e experiências extraordinárias. Deixa eu contar mais ou menos o que aconteceu.
O primeiro efeito da carta foi emocional. Eu não consegui parar de rir de alegria ao ver que uma celebridade admirada por tantos como o Lázaro tinha lido a carta. Foi Surreal.
Mais surreal ainda foi ver tantas reações à carta. Centenas de pessoas leram, curtiram e compartilharam o texto. Compartilharam não só pela admiração ao Lázaro, mas por também se identificarem com o que escrevi.
Não falo da repercussão por ego e vaidade (talvez um pouquinho), mas porque foi fascinante ver como um livro e uma carta sobre racismo, negritude e branquitude tenham gerado reações tão positivas. Eu, você e a torcida do [seu time] sabemos que questões raciais tendem a gerar tretas intermináveis online.
O que fez o caso do livro e da carta diferente? Por que tanta gente – negra, branca e algo no meio – que leu os textos reagiu e concordou que racismo existe, que é um problema e que precisamos repensar nossas atitudes e lidar com isso juntos?
O carisma do Lázaro responde um pouco dessas perguntas.
Ele tem um jeito todo emocional, honesto e simpático de se comunicar tanto na TV quanto nas redes sociais. Isso pode ter tido dois efeitos: quem já grita contra o racismo se viu representado por ele; quem prefere se silenciar viu nele uma motivação para falar e se posicionar.
Mas só carisma não explica.
De algum modo, o livro e a carta geraram um pouco de consenso entre pessoas tão diferentes. Especialmente pessoas que aparentemente não se identificam como militantes ou ativistas. Pessoas que concordaram (ao curtir e compartilhar o texto) que conversas francas sobre racismo são fundamentais para lidar com o racismo no dia-a-dia.
Assim, além do carisma, outro fator pro que aconteceu foi a linguagem. O jeito de falar. Nesse caso, de escrever. Pelo menos foi isso que várias pessoas que me escreveram explicaram.
Não foi a primeira vez que escrevi sobre racismo, negritude e branquitude. Mas essa foi a primeira vez que várias(os) amigas(os) que não estão na universidade, em movimentos sociais ou mesmo que concordem com minhas posições políticas se manifestaram.
Em um caso, uma pessoa conhecida disse que, em geral, meu tom é muito agressivo. Essa pessoa deu a entender que o texto a fez pensar em suas atitudes ao invés de se sentir chateada. Outras pessoas brancas também disseram que esse texto as fez pensar mais sobre suas próprias atitudes do que outros textos mais agressivos.
Pra que fique claro: eu acho que em muitos casos, ao falar de racismo, é importante ser agressivo. É importante causar incômodo. Racismo não é algo suave na vida, por que textos sobre racismo deveriam ser?
Mas é importante admitir que ao escolher escrever com agressividade sobre o racismo, o texto vai automaticamente atingir bem menos gente. É só olhar pela Internet. Quanto mais agressivo o texto, mais ele tende a ser curtido por quem concorda/se identifica e ignorado por quem discorda/se sente acuado.
Assim, se a intenção de quem escreve é levar uma mensagem ao número maior de pessoas fora do seu próprio círculo ideológico, é preciso pensar em outras formas de escrever, falar e se comunicar. Isso tudo sem diminuir a importância e a seriedade que o tema demanda.
E, pra mim, essa foi a lição que ficou tanto do livro do Lázaro quanto da carta que escrevi pra ele. Lição que não tive dos textos em si, mas de mensagens que recebi. Como a de um antigo amigo.
Na adolescência, ele havia sido uma das pessoas mais importantes pra mim. Alguém que foi um irmão no meu processo de me reconhecer e me orgulhar de minha negritude. Mas desde 2013, com a polarização que cresceu depois dos protestos, havíamos nos afastado.
Horas depois que publiquei a carta ao Lázaro, recebi uma mensagem dele. Na sua mensagem, ele dizia (editado pra garantir que fique anônimo):
“[…] adorei a sua carta ao Lázaro Ramos, os comentários, o bate papo […]. […] por muito tempo me afastei das suas ideias e por vezes quase te excluí. Não só por discordar, mas também por não conseguir ler pessoas defendendo algumas ideias diferentes do que acho certo. […] Irmão, espero não ter perdido muito tempo pra trocar essa ideia.”
E foi aí que meu riso solto virou choro.
Assim como ele, também me senti aliviado de ainda termos tempo de recuperar um pouco do que as diferenças nos tirou. Tenho muito que aprender com ele também. Ao mesmo tempo, fiquei pensando: se eu já escrevia coisas parecidas antes, o que fez da carta algo tão especial que o fez engolir a mágoa e me escrever?
A linguagem, o jeito de falar e escrever, com certeza fez diferença. Eu já vinha pensando em como escrever textos acadêmicos sem academiquês no meu trabalho (até escrevi um livro sobre minha tese de doutorado assim, em linguagem mais acessível, mas sem menosprezar o leitor). Mas é sempre possível melhorar mais.
Sempre me foi óbvio que nós negros, filhos da classe trabalhadora, temos mais em comum por sermos negros do que por sermos de “direita” ou “esquerda”. Sempre me foi óbvio também que é com essa gente – minha gente – que eu preciso e quero mais me comunicar como acadêmico.
Só que até agora eu nunca soube bem como manter um diálogo com outros parecidos comigo que pensam diferente.
Depois da carta ao Lázaro Ramos e das mensagens de tantas pessoas queridas elogiando e se identificando com o texto mesmo discordando de mim em outras coisas, o que precisa ser feito por conversas mais construtivas com mais gente me ficou um pouco mais evidente.